quarta-feira, 16 de abril de 2008

O QUE DIZIA EÇA DE QUEIROZ

MAIO DE 1871

Há em Portugal quatro partidos: o partido histórico, o regenerador, o reformista e o constituinte.
(…)
Os quatro partidos oficiais, com jornal e porta para a rua, vivem num perpétuo antagonismo: São irreconciliáveis. Do fundo dos seus artigos de jornal, latem perpetuamente uns contra os outros.

Quais são as irritadas divergências de princípios, que separam estas opiniões? Vejamos:

O partido regenerador é constitucional, monárquico, intimamente monárquico, e lembra nos seus jornais que é necessária a economia.

O partido histórico é constitucional, bastante monárquico e prova irrefutavelmente que é assaz aproveitável a ideia da economia.

O partido constituinte é constitucional e monárquico e dá subida atenção à economia.

O partido reformista é monárquico, é constitucional e é doidinho pela economia.

Todos quatro são católicos.
Todos quatro são centralizadores.
Todos quatro têm o mesmo afecto à ordem.
Todos quatro querem o progresso, e citam a Bélgica.
Todos quatro estimam a liberdade.

Quais são então as desinteligências? Profundas! Assim, por exemplo, a ideia de liberdade entendem-na de diversos modos.

O partido histórico diz gravemente que é preciso respeitar as liberdades públicas.

O partido regenerador nega, nega com divergência resoluta, e prova com abundância de argumentos que o que se deve respeitar são – as públicas liberdades!
A conflagração é manifesta!

Na sua acção governamental as dissensões são perpétuas.


Assim o partido histórico propõe um imposto: porque, não há remédio, é necessário pagar a religião, o exército, a centralização, a lista civil, a diplomacia… - propõe um imposto.
- Caminhamos para uma ruína! Exclama o presidente do conselho – o deficit cresce! O país está pobre! A única maneira de nos salvarmos é o imposto que temos a honra , etc…

Mas então o partido regenerador, por exemplo, que está na oposição, brame de desespero, (…)
- Como assim! Exclamam todos, mais impostos!?

E então contra os impostos escrevem-se artigos, elaboram-se discursos, conspira-se; rodam as carruagens de aluguel, levando, a 300 reis por corrida, inimigos dos impostos. Prepara-se o cheque ao ministério histórico, vem a votação…zás! Cai o ministério histórico.

E ao outro dia, o partido regenerador no poder, triunfante, ocupa as cadeiras de S. Bento. Esta mudança alterou tudo: os fundos desceram, as transacções suspenderam-se; os comboios cruzam-se cheios de autoridades demitidas, o crédito diminui, a opinião descreu mais, a fé pública dissolveu-se mais – mas finalmente caiu aquele ministério desorganizado que concebera o imposto, e está tudo confiado, esperando.

Abre-se a sessão parlamentar: o novo ministro regenerador vai falar.

(…)

- Tem a palavra o novo presidente do conselho

- O novo presidente: Um ministério nefasto (apoiado, apoiado! Exclama a maioria histórica da véspera) caiu perante a reprovação do país inteiro. Porque senhor presidente, o país está desorganizado, é necessário restaurar o crédito. E a única maneira de nos salvarmos…

Murmúrios. Vozes: Ouçam! Ouçam!

“… É por isso que eu peço que entre já em discussão…(atenção ávida: sente-se palpitar debaixo dos fraques o coração da maioria…) que entre em discussão – o imposto que temos a honra, etc.” (apoiado!apoiado!)

E nessa noite reúne-se o centro histórico, ontem no ministério, hoje na oposição. Todos estão lúgubres.

- Meus senhores, diz o presidente, e a sua voz é cava. – O país está perdido! – e dando uma punhada: - O ministério regenerador ainda ontem subiu ao poder e doze horas depois já entra pelo caminho da anarquia e da opressão, propondo um imposto! Empreguemos todas as nossas forças em poupar o país a esta última desgraça! – Guerra ao imposto.

Não, não! Com estas divergências tão profundas é impossível a conciliação dos partidos!

P.S) Qualquer semelhança com a realidade actual(envolvendo os dois maiores partidos) é a mais pura das coincidências!!!




1 comentário:

Anónimo disse...

"Há duas maneiras de fazer política. Ou se vive para a política ou se vive da política. Nessa oposição não há nada de exclusivo. Muito ao contrário, em geral fazem uma e outra coisa ao mesmo tempo, tanto idealmente quanto na prática."
( Max Weber )