segunda-feira, 28 de abril de 2008

Eça de Queiroz III


Lentamente o homem perde também a individualidade do pensamento. Não pensa por si: sobrevém-lhe a preguiça do cérebro. Não tendo de formar o carácter, porque lhe é inútil e teria a todo o momento de o vergar; - não tendo de formar uma opinião porque lhe seria incómoda e teria a todo o momento de a calar. – Acostuma-se a viver sem carácter e sem opinião. Deixa de frequentar as ideias, perde o amor da educação. Cai na ignorância, e na vileza.
Não se respeitando a si, não respeita os outros: mente, atraiçoa, e habitua-se a medrar na intriga.
"as Farpas"

3 comentários:

Anónimo disse...

Mia Couto disse que a única arma de destruição massiva era o poder do pensamento e que essa, sim, deveria ser espoletada

Anónimo disse...

O homem mais perfeitamente educado por um mestre foi Stuart Mill. Aos vinte anos de idade ele tinha aprendido com James Mill, seu pai, tudo quanto a ciência pode ensinar a um sábio e a um filósofo. E todavia Stuart Mill conta-nos na sua autobiografia que, ao perguntar um dia a si mesmo se seria feliz, uma vez realizadas nas instituições e nas ideias todas as reformas que ele projectava criar, a sua consciência lhe respondera: não. «Senti-me então desfalecer, - diz ele; todas as fundações sobre que se tinha arquitectado a minha vida se desmoronaram de repente.» Mais tarde ele sentiu a dor, sentiu depois o amor, o amor apaixonado, absorvente, enorme, dominando todo o seu ser, submetendo a força dissolvente da análise; e foi só então que ele se sentiu homem, revivendo para a natureza, forte da grande força que a natureza lhe comunicava, equilibrado para sempre no seu destino, cingido ao coração palpitante de uma mulher que ele amou - ele o sábio, o filósofo, o reformador frio e implacável - com o amor illimitado, entusiástico, cavalheiresco, que as velhas lendas líricas atribuem aos grandes amantes célebres.

Ramalho Ortigão, in 'As Farpas (1883)'

dalmata disse...

Deixar que pensem por nós é cada vez mais frequente. Com mais frequência assisto às vidas que sobrevivem, que andam, ou se empurram, ao sabor dos pensamentos de outros.

Felizmente nunca te conheci assim. Hoje louvo a genuinidade, a genialidade, a preserverança, a originalidade, o espírito crítico e louvo-te a ti porque tens um pouco de tudo isto...

Besos